quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

A clausula do elevador

Porque eram precavidos, porque queriam que sua união desse certo, e principalmente porque eram advogados, fizeram um contrato nupcial. Um instrumento particular, só entre os dois, separado das formalidades usuais de um casamento civil. Nele estariam explicitados os deveres e os compromissos de cada um até que a morte ou o descumprimento de qualquer uma das cláusulas os separasse.

Passaram boa parte do noivado preparando o documento. Tudo correu bem até chegarem à cláusula que tratava da fidelidade.
Ele ponderou, chamando-a de "cara colega", entre risadas (estavam na cama), que a obrigação de ser fiel deveria constar do contrato, claro, desde que a cláusula correspondente permitisse uma certa flexibilidade.

- Vejo que o nobre causídico advoga em sem-vergonhice própria - brincou ela, cutucando-o.
- Não, disse ele.
- Só acho que devemos levar em consideração as hipóteses heterodoxas. As eventualidades alcatórias. As circunstâncias atenuantes. Em outras palavras, as oportunidades imperdíveis.

E exemplificou:

- Digamos que eu fique preso num elevador com a Luana Piovani.
- Sei.
- Só eu e ela.
- Certo.
- Depois de 10, 15 minutos, ela diz "Calor, né?" e desabotoa a blusa.
Mais dez minutos e ela tira toda a roupa. Mais cinco minutos e ela diz "Não adiantou" e começa a abrir o zíper da minha calça...
- Sim.
- O contrato deveria prever que, em casos assim, eu estaria automaticamente liberado dos seus termos restritivos.

Ela concordou, em tese, mas argumentou que a licença pleiteada deveria ser mais específica, rechaçando a sugestão dele de que o inciso expiatório se referisse genericamente a "Luana Piovani ou similar".

Depois de alguma discussão, ficou decidido que ele estaria automaticamente liberado da obrigação contratual de ser fiel a ela no caso de ficar preso num elevador com a Patrícia Pillar, a Luma de Oliveira ou uma das duas (ou as duas) moças do "Tchan", além da Luana Piovani, se o socorro demorasse mais de 20 minutos.

Isto estabelecido, ela disse:

- No meu caso, deixa ver...
- Como, no seu caso?
- No caso de eu ficar presa num elevador com alguém.
- Defina "alguém".
- Sei lá. O Maurício Mattar. O Antônio Fagundes. O Vampeta.
- O Vampeta não!
- É só um exemplo.
- Não pode ser brasileiro!
- Ah é? Ah é?

Foi a primeira briga deles. Ele se considerava um homem moderno e um escravo da justiça, mas aquilo era demais. Não conseguia imaginar ela presa num elevador com um homem irresistível, ainda mais com a absolvição pelo adultério garantida em contrato.

Sugeriu o Richard Gere. Ela não era louca pelo Richard Gere? O Richard Gere ele admitia.
Ela achou muito engraçado.
As chances de ela ficar presa num elevador com o Richard Gere eram muito menores do que as chances dele de ficar preso com a Luana Piovani, que morava no Brasil, ora faça-me o favor.

- Então o Julio Iglesias.
- O quê?!
- O Julio Iglesias vem muito ao Brasil.
- Eu tenho horror do Julio Iglesias!
- Bom, se você vai começar a escolher...

Finalmente, chegaram a um acordo. Ele ainda relutou, mas no fim se viu sem nenhuma objeção convincente.
Ela estaria liberada de ser fiel a ele se um dia ficasse presa num elevador com o Chico Buarque. Mas só com o Chico Buarque. E só se o socorro demorasse mais de uma hora!


(Luís Fernando Veríssimo)

2 comentários:

A Outra disse...

é sempre assim.
o que vale para eles nao vale para a gente.
tá na hora de mudar isso!
beijos!

ah, gostei do template novo!
bjs de novo!

Susana Júlio disse...

Beijos em fio aqui da Teia.
Com mais calma vou dedicar-me às tuas sugestões que enviaste via mail...origami! ;)
Um Natal feliz repleto de tudo de bom